"Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas...Continuarei a escrever" - Clarisse Lispector

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A menina que falava com árvores



A menina que falava com árvores



A menina de olhos azuis aproximou-se de sua mãe, que lia interessada uma revista.

Disse-lhe com voz manhosa:

― Mãe, eu me sinto só.

A mulher não desviou os olhos do que lia, e resmungou:

― Vá brincar com a vizinha.

― Mas ela não é minha amiga. ― A pequena cruzou os braços.

― Não?

― Não. Ela pega meus brinquedos, puxa meu cabelo e zomba de minhas roupas.

― Então brinque com sua boneca nova. ― Disse a mãe encerrando o assunto e fazendo um gesto para a garota sair da sala.

Cabisbaixa, ela foi então falar com seu pai que estava no escritório. Disse-lhe com a voz tristonha:

― Pai, eu me sinto só.

O homem digitava em seu computador ― ele estava sempre trabalhando, era o que a menina constatava.

― Mas você não tem amiguinhos lá na escola? ― Ele tentava deixar a voz doce, mas claramente não estava prestando atenção no que a filha dizia.

― Não. Eles não me deixam brincar...

― Filhinha ― Ele parou de digitar e olhou para ela. ― Deixa o papai trabalhar, depois eu coloco um jogo novo pra você no computador.

Ela desistiu de conversar e foi andando amuada até seu quarto.

No dia seguinte, na escola, procurou sua professora e falou chateada:

― Tia, eu me sinto só.

― Seus amigos estão brincando, vá lá ― Ela fez um gesto para o parquinho, no qual as crianças corriam e pulavam.

― Eles não são meus amigos...

― Claro que são. Vamos, tente se enturmar.

“Gente grande tem uma idéia muito errada sobre amizade”, pensou ela, enquanto se afastava do parquinho e sentava embaixo de uma árvore.

― Eu me sinto só... ― Disse para si mesma e suspirou.

― Eu também. ― Respondeu a árvore.

A menina dos olhos azuis deu um salto, surpresa, e fitou os galhos acima de sua cabeça.

― Você fala?

― Claro que falo, todas as arvores falam. ― Ela respondeu delicadamente, mas como se aquilo fosse obvio. ― Mas os adultos se recusam a nos ouvir.

Ela olhou fascinada para a árvore.

― Qual é seu nome?

― Jacarandá, prazer.

― Por que você se sente só, Jacarandá?

― Não há outras árvores à volta. Não tenho ninguém para conversar, e há muito tempo nenhum passarinho vem aqui fazer um ninho e me alegrar com seu canto.

A garota ficou pensativa, e a árvore completou meio melancólica:

― Nós nos sentimos sós na cidade...

Ela concordou com a cabeça, e perguntou:

― O que é um amigo?

― É alguém que preenche um pouco do vazio das pessoas. ― Disse-lhe a árvore com uma voz meiga, mas tristonha. A menina sorriu.

― Posso lhe fazer companhia?

O vendo bateu nas folhas do Jacarandá, que balançaram, e pareceu que ele estava rindo.

― Mas é claro, pequenina.

A partir daquele dia, a menina de olhos azuis passou a falar com árvores.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

De novo?




De novo?

Amanheceu mais uma manhã.
Entardeceu mais uma tarde.
Anoiteceu mais uma noite.
Amanheceu mais uma manhã.
Outra manhã,
Nada mudou.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Crianças



Crianças


― Já se questionou por que as crianças fazem tantas perguntas e os adultos tão poucas?

― Porque os adultos sabem muito mais que elas, oras.

Eu ri discretamente.

― Não. É porque quando crescemos, paramos de pensar.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Sem sentido




Sem sentido


Rotina bruta, fria, crua.

Rotina que me prende, massacra.

Desrespeito, vontade alheia, indiferença.

Energia tomada, voz desperdiçada.

Luz vã, silenciosa.

Luz que ofusca, racha, tortura.

Faróis, lâmpadas, neon, energia.

Onde estão as estrelas?

Expectativas, correções, exigências.

Por acaso isso é vida?

Pressão intencional,

Rotina superficial

Vazio insistente, ingrato.

Gritos, berros, escândalos,

Meu silêncio lacônico habituado.

Marcham máquinas, não homens,

De lábios fechados, peitos lacrados.

Pobres almas perturbadas,

As que lutam contra a caminhada.

Amor ferido, alma rompida,

Fé dizimada,

Fé que nunca existiu.

Mais um dia, mais uma hora,

Mais um amanhecer, um entardecer.

Quem aprecia o pôr do sol?

Rotina má, constante, nua.

Vazio condizente, obediente.

Tenho palavras, caladas.

Tenho dores, discretas.

Tenho sonhos, tantos sonhos!

Não suporto mais ver a luz.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Alma de poeta




Alma de poeta


Quando a tristeza passar,

Faltarão palavras.

Quando a angústia sumir,

Poesias não hão mais de vir.

Quando o vazio acabar,

Não haverão mais histórias trancadas.



Enquanto escorrer rubro sangue

Da ferida que arde e não cicatriza,

Enquanto encravarem-se espinhos,

Os mais terríveis, vindos de um amado,

Minha alma me martiriza,

Sinto o espírito gelado,

E surge a necessidade de contos,

No papel rabiscados.



Vivo num desejo inconstante.

Num paradoxo incessante.

De encontrar um fim para o sofrimento,

E desaparecer minha maior expressão,

A forma de mostrar que existo,

Matar minha alma de poeta.

Chega!




Chega!


Silêncio! Silêncio!

Chega de gritos desperdiçados.

Chega de ondas sonoras desnecessárias.

Chega de palmas, de berros, de euforia,

Chega dessa tortura auditiva.

Quero o silêncio completo e absoluto.

Quero o silêncio da paz, do campo.

Longe das buzinas, das festas, da TV.

O silêncio do coração em batidas ritmadas.

O silêncio da alma relaxada.

O silêncio dos trabalhadores cansados.

O silêncio de uma criança que dorme.

O silêncio de um chalé da montanha.

Quero o silêncio de um casal apaixonado,

Nu, cru, incontestável, puro.

sábado, 3 de setembro de 2011

O girassol determinado



O girassol determinado


Vi um gracioso girassol.
Ele apontava suas pétalas para o entardecer,
E crescia num chão de concreto,
Sua base espremida numa pequena rachadura.

Admirei o girassol amarelo.
Invejei sua determinação.
Olhe, veja, uma planta determinada!
Muito mais do que muita gente por ai,
Muito mais do que eu mesma.

O girassol cresceu no cimento.
Num pequeno vão,
Rasgou o chão duro,
Tornou-se alto e forte,
Floresceu pomposo.

Queria ser como o girassol,
Que passou por cima das dificuldades,
E tornou-se belo.
Que num entardecer,
Florido,
Inspirou-me.