Fita azul
Certo dia, com a sensação de ter despertado de um sonho no qual passara toda a minha vida, simplesmente desisti de me concentrar em qualquer tarefa útil ou necessária. Comecei a brincar com uma fita do senhor do bom fim, que estava amarrada em meu estojo.
Absorta em pensamentos, enrolava a fitinha azul no dedo, desenrolava, fazia um nó, desfazia, até que puxei um fio solto. E ao puxá-lo, outro se soltou, e ao também puxar este, o mesmo ocorreu com o que vinha em seguida.
Encontrando algo interessante em meu momento de reflexão, coloquei-me a desfiar a fita. Fio por fio, devagar, desajeitada. Descobri que na verdade ela é feita por feixes de linha que se cruzam, o que pode parecer algo banal para se perceber. No entanto, a fita azul escura me fez pensar.
O que existe por trás do que existe? Ah, devo parecer doida ao fazer tal pergunta. Mas na verdade, não é tão absurdo assim. A fita, que existe, é feita por fios, que também existem. E, no entanto, quando se vê uma fita, não se pensa do que ela é feita; apenas constata-se que ela é o que é, e ponto final. Por quê?
Deve ser consequência de minha curiosidade excessiva, ou da já antes comentada sensação de ter despertado de um sonho, que me faz querer ver mais fundo. Bem mais fundo.
Posso ir mais longe ainda: tocando a fita, pude perceber que esta possuía uma textura relativamente áspera; mas tocando a parte agora desfiada, senti macieza, uma textura mais agradável. Como explicar que exatamente o mesmo material pode passar sensações diferentes, dependendo da forma como está sendo utilizado ou disposto?
Perguntas desse tipo enchem minha cabeça diariamente. E de fato parecem bobas, mas posso transportar a reflexão da fita para minha realidade. Repito, o que existe por trás do que existe? O que está escondido atrás dos olhos? Acredito que muitas vezes minha visão me engana. Meu coração me engana. Eu mesma me engano. Mas não de propósito.
Gostaria de ver os fios escondidos, gostaria de despertar de sonhos mais vezes, e de me chocar com a realidade, e me distrair do que é considerado “útil”, e parar para refletir sobre algo que parece banal novamente. Confesso que cada vez que isto acontece, a realidade me assusta. E ao mesmo tempo, me pergunto se essa é realmente a realidade, ou mais um sonho dentro do sonho, do qual despertarei um dia.
Posso ainda chegar a mais uma conclusão com essa reflexão de aparente teor altista – porque como sempre, fazer e pensar algo fora do comum é considerado problema de sanidade – que é: a cada fita que desfio, torno-me mais habilidosa em tal ato.
Ao desfiar a primeira ponta, tive certa dificuldade, puxei fios errados, e o resultado foi meio torto e amarrotado. Mas após entender o mecanismo, fui para a outra ponta, e desta vez com mais habilidade consegui um resultado mais belo, em menos tempo. Interessante a prática que conseguimos em tudo que fazemos. Tentamos uma vez. Na segunda vez que tentamos, já não somos mais os mesmo da primeira. Já evoluímos, mesmo que seja pouquíssimo, mesmo que seja uma evolução que não tenha propósito. Cada vez que respiramos, aprendemos algo novo, crescemos.
Claro, essas são apenas teorias de uma mente romântica, sonhadora e curiosa. Para mim fazem sentido, para os outros não tenho idéia. Talvez façam, talvez não. Gostaria que fizessem. Enquanto os outros fazem suas próprias reflexões, farei as minhas. Sairei em busca de mais fitas para desfazer.